En los medios

Milei primeiro abraça, depois esnoba e agora busca absorver a centro-direita
Carlos Gervasoni, director del Departamento de Ciencia Política y Estudios Internacionales, fue consultado sobre el escenario político de la Argentina.
[RESUMO] O ultraliberal Javier Milei chegou ao poder na Argentina com o apoio da direita tradicional de seu país, com quem mantém hoje, um ano e quatro meses depois, uma relação utilitária, necessária para avançar seus projetos no Congresso, mas permeada de insatisfações mútuas que por vezes sugerem rompimento. A poucos meses das eleições legislativas, a sigla Liberdade Avança, de Milei, tem incorporado nomes importantes do partido de centro-direita Proposta Republicana, liderado pelo ex-presidente Mauricio Macri, o que pode dar feição inédita à política argentina e espelha uma crise mundial das representações partidárias tradicionais.
Diego Valenzuela incorpora o traquejo social de quem teve uma carreira na TV como jornalista e historiador, o traquejo político de quem é o segundo prefeito mais bem avaliado da Grande Buenos Aires, e o ânimo de quem ocupa o lado político hoje vitorioso.
Aos 54 anos, o prefeito de Tres de Febrero, cidade com 360 mil habitantes, foi aquele que primeiro personificou um movimento em curso na Argentina. Abandonou o partido de centro-direita ao qual pertencia, o Proposta Republicana, e migrou para a ultradireita aglutinada no Liberdade Avança, a sigla do presidente Javier Milei.

O fez em janeiro passado com um claro propósito eleitoral, ainda que diga nesta conversa que sua decisão teve uma amplitude muito maior. Ele não esconde que seu objetivo é, em 2027, concorrer a governador da Província de Buenos Aires, hoje nas mãos da oposição.
Seu anúncio foi seguido por igual movimento de outro prefeito da região, e nas semanas seguintes legisladores da capital também deram adeus a suas siglas de centro-direita e caminharam para o ponto mais extremo do espectro político.
"Conheço Javier faz mais de 30 anos, então não é como se essa decisão tivesse sido aventada agora, simplesmente por razões políticas", afirma Valenzuela, sentado na mesa de seu escritório na sede da prefeitura.
Ele e Javier Milei estudaram economia juntos na universidade. Mantiveram contato, reforçado quando Milei ascendeu surpreendentemente na política como um outsider. Desde que o colega chegou à Casa Rosada, eles conversavam semanalmente por mensagens.
"Ele me ajudava com as matérias de exatas, e eu o ajudava com as matérias mais humanísticas, nos complementávamos bem", diz sobre o tempo de estudantes. A reportagem sugere, não em brincadeira, que um apoio em termos humanísticos ao hoje presidente ainda cairia bem —Milei é contra o que chama de ideologia de gênero, ameaça tirar o feminicídio do Código Penal, diz querer sair do Acordo do Clima de Paris.
"Bom, também por isso tomei essa decisão, porque creio que minhas experiências são diferentes das dele", ele responde, não sem somar elogios. "Estou na política já faz muito tempo, mas atenção: Milei demonstrou atitudes de liderança. Eu esperava muito mais uma vitória na reforma econômica, mas também vejo um presidente que tem legitimidade e prioridades na tomada de decisões."
A centro-direita e a ultradireita alçada ao poder com Milei vivem desde o início do governo uma aliança de sobrevivência mútua. Sem maioria no Congresso, o governo sedimentado em um partido novato precisa de alianças ocasionais com o Proposta Republicana para avançar. O centro, por sua vez, quer se manter no poder.
A balança, contudo, tem começado a ficar desequilibrada. Em ano eleitoral —em outubro se realizam eleições legislativas de meio de mandato que renovam um terço de todo o Congresso—, não parece haver disposição do Liberdade Avança de negociar e formar coalizões com a centro-direita. O entrave, diz-se nos bastidores, é Karina Milei.
A irmã do presidente é também a secretária-geral da Presidência e o cérebro do governo, ou a espinha dorsal, a depender dos que dizem que operar a máquina pública é sua principal função e daqueles que argumentam que, na verdade, sua tarefa é proteger Milei.
Com ela, a estratégia de capturar a centro-direita se tornou a aposta principal e ganhou apoios importantes e improváveis, o principal deles Patricia Bullrich, ministra do governo (Segurança), filiada ao Proposta Republicana e candidata à Presidência por esse partido em 2023. Ainda que no papel siga na centro-direita, ela tem ajudado a levar políticos para o Liberdade Avança e periga ser expulsa de seu partido, cujo nome principal é o ex-presidente Mauricio Macri.
A insatisfação já transbordou. "Até agora o ato de trabalhar junto com o governo nunca existiu, foi apenas um resgate contínuo para que eles não caiam no abismo e o projeto político não vá para o inferno", disse Macri na última semana de março em um evento em Córdoba.
Há histórias quase anedóticas da radicalização política. Santiago Caputo, assessor de Milei com amplos poderes na Casa Rosada mesmo sem ter sido eleito e mesmo sem ter sido nomeado para um cargo público, tem em seu escritório uma edição do livro "El Arte de Subir (y bajar) la Montaña" (a arte de subir e descer da montanha), de Marcos Peña, apunhalado com uma faca, contam duas pessoas que já frequentaram o espaço.
Peña era chefe de gabinete de Macri. E no agora depreciado livro faz uma defesa de que lideranças políticas não tentem se forjar como espécies de super-heróis e que o comando do governo não deve ser tão verticalizado. Milei mais de uma vez se comparou a um Superman.
O declínio dos partidos de centro-direita não é uma excepcionalidade argentina, mas no país tem suas particularidades. "É um sistema no qual os políticos não têm apego aos partidos, e, no caso do Proposta Republicana, é um partido com pouca história [nasceu em 2005] e que também uniu pessoas de várias outras siglas. Agora as está perdendo", diz Carlos Gervasoni, chefe do departamento de ciência política e estudos internacionais da respeitada Universidad Torcuato Di Tella.
O fenômeno é conhecido como "panquequismo" (de panquecas): políticos que um dia estão aqui; no outro, acolá. Não é preciso ir longe para exemplificar. Daniel Scioli, o campeão argentino de motonáutica que hoje é secretário de Turismo, Esportes e Meio Ambiente de Milei, foi vice-presidente de Néstor Kirchner; candidato à Presidência pelo peronismo; embaixador no Brasil durante o governo Alberto Fernández-Cristina Kirchner. Agora é quase um mileísta.
Gervasoni faz uma diferenciação cautelosa entre o voto da centro-direita e o voto da ultradireita, o que coloca em xeque a ideia de que a transferência do apoio nas urnas seria imediata apenas com a migração de políticos. Enquanto o Proposta Republicana tradicionalmente tem um voto de pessoas mais velhas e de classe média e média alta, o Liberdade Avança aglutinou o voto jovem e de todas as classes sociais.
Mas também esse cálculo parece ser levado em conta. Diego Valenzuela diz que o que diferencia Milei do Proposta Republicana é que "Javier é popular". "É menos elitista, se assim podemos dizer. Dialogou tanto com um grande empresário que quer previsibilidade econômica, a macroeconomia ordenada, a liberdade para tomar decisões quanto com o entregador de delivery e os moradores dos bairros populares, que antes votavam mais na esquerda. É um liberalismo popular."
Com base nisso, diz, somou-se ao amigo na decisão de ser "sincero" e "respeitar o eleitor". "Por ver que esse rumo funciona, que houve um ano de transformações econômicas e resultados. Milei tem uma legitimidade de origem, produto do voto, e uma do exercício do poder, fruto de um ano e dos resultados."

Diego Valenzuela, prefeito de Tres de Febrero, na Grande Buenos Aires, que migrou da centro-direita para o partido ultraliberal do presidente Javier Milei, em seu escritório, na Argentina - Guillermo Rodriguez - 25.mar.25/Clarín
Em poucos meses, ocorrerá o primeiro teste do presidente nas urnas após tomar posse. Embora previsibilidade e política argentina não sejam coisas que costumam se misturar, todas as pesquisas preveem que o partido de Milei crescerá de tamanho, talvez duplicando-o, ainda que sozinho não consiga maioria e siga tendo de negociar com a centro-direita.
"A interpretação mas convencional é a de que as pessoas votam com o bolso: ou seja, se estão melhores ou piores economicamente no seu núcleo particular. É claro que esse voto econômico também existe. Mas diria que há evidências de que muitos votam por como veem o país, a percepção da economia nacional, o chamado voto sociotrópico", diz o professor da Torcuato Di Tella.
Nesse sentido, Milei teria muitos louros para ser recompensado. A inflação mensal diminuiu mais de 20 pontos percentuais e se estabilizou. A época de déficits fiscais parece ter sido deixada para trás, e a pobreza, depois de atingir seu pico, caiu para níveis inferiores aos do governo peronista.
Nem por isso o governo deixou de fazer suas atabalhoadas, fruto do que acadêmicos como Gervasoni e políticos que falam sob anonimato chamam de um momento de hubris, uma arrogância exacerbada e potencializada pelo fato de existir um presidente cercado por inexperientes políticos, como Karina.
A mais recente e maior foi o escândalo do criptogate, que, no entanto, resvalou pouco na popularidade. Nem o modus operandi da Casa Rosada, de governar por meio de decretos, marginalizando o Legislativo, teve impacto substantivo até aqui.
Se grandes escândalos semelhantes não se impuserem para intensificar o cenário no país onde tango e política não são tão distintos assim, se vistos sob a ótica de sua dramaticidade, o enxugamento da centro-direita por Milei poderia ganhar ainda mais força.
Segundo Diego Valenzuela, há muitos em silêncio que em breve podem se levantar. "São muitos os que me dizem, sob reserva, em cafezinhos, que estão convencidos de que a mudança só se dará unindo o Proposta Republicana com o Liberdade Avança."
Os Milei parecem não querer isso. E Mauricio Macri ainda mantém alguma distância segura das trapalhadas do governo. Resta saber se os que conversam com o prefeito de Tres de Febrero permanecerão onde estão ou seguirão o seu caminho e darão as boas-vindas ao mileísmo.